Coluna Geremias Pignaton: Não Tejo!

Coluna Geremias Pignaton: Não Tejo!

Aquilo era um diligência policial. O delegado, Seu Hermes, e o soldado, Bereta, subiam o morro, ao lado do terreno da casa de Tonico Lanschi, para chegarem ao bairro Boa Vista, que, naqueles idos, já estava bem povoado perto do cemitério.

Receberam um chamado urgente dando conta que Zé Samoa, um caboclo parrudo de aproximadamente 1,8 metros de estatura, pesando por volta de 100 quilos, estava possuído por uma de suas crises de Beijinho Doce, a cachaça mais consumida na cidade. Aprontava por lá, em um arrasta pé no quintal cercado por ripas de uma das casinholas de madeira, que compunham o cenário do bairro. A confusão, segundo o relato chegado à delegacia, estava enorme.

Era um sábado à noite, por volta das 21 horas. As luzes das lamparinas saíam das janelas, dando uma pequena quebrada no escuro de breu.

Hermes e Bereta eram toda a força policial da cidade, tinham um cacetete preso na cintura da farda caqui do soldado e dois revólveres 38 canelas-secas na cintura de cada um. A equipagem não contava com viatura ou montaria.

Na subida, que ainda não tinha escadaria, Bereta caiu duas vezes, rasgando a calça na altura do joelho, que ficou esfolado. Devido à péssima condição física dos dois, tiveram que parar umas vezes para recobrarem o fôlego perdido.

Terminada a subida, no terreno mais ou menos plano, perderam-se duas vezes no meio dos becos escuros e das cercas dos quintais. Uma cachorrada latia acuando os gritos que chegavam aos ouvidos distantes.

Quando finalmente alcançaram a casa onde a confusão estava estabelecida, pararam no escuro para se situarem. Viram o vulto imenso de Samoa no quintal batendo com fortes socos nas paredes de madeira da casa. Todos os outros componentes da festa, homens mulheres e até crianças, entraram para escapar da fúria ébria do brigão. Vez ou outra, alguém arriscava dar uma espiada pela janelinha entreaberta.

Samoa parecia incontrolável. Desafiava aos gritos os de dentro do barraco a saírem. Apelava para aquele condicional lugar comum: se for homem!

Não seria a primeira vez que a nossa briosa força policial enfrentaria Samoa. Eles sabiam que o homenzarrão era osso, mesmo quando estava bêbado aos tombos.

Esperaram alguns segundos estudando atentamente a situação, ao que o delegado se adiantou quintal adentro, seguido por seu ajudante com o cacetete na mão. Pararam a uns 3 metros do Samoa e Seu Hermes ordenou, gritando com a voz mais aguda do que grave:

- Zé Samoa, teje preso!

Ele parou meio assustado, permaneceu imóvel alguns segundos e virou-se num salto:

- Não tejo!

O delegado gritou ainda mais forte:

- Teje!

- Não tejo!

E ficaram nessa repetição:

- Teje; não tejo; teje; não tejo; teje; não tejo...

Ao que Samoa deitou-se no chão e disse:

- Quer me prender, Seu Hermes? Então pode levar. Andando não vou!

O delegado e o soldado se olharam no escuro e ficaram sem ação.

As pessoas foram saindo de fininho de dentro da casa, ganhando os becos escuros e desaparecendo.

Os três permaneceram imóveis e calados no meio do quintal. Os policiais em pé, Samoa deitado.

Bereta quebrou o silêncio e disse:

- Se tivéssemos ao menos um carrinho de mão...