Coluna Geremias Pignaton: Julyta e o Zeppelin
Antes de começar esta passagem contada por minha mãe, é preciso fazer um breve histórico.
Durante a década de 1930, os dirigíveis chamados Zeppelin, de fabricação alemã, imensos balões inflados com gás hidrogênio, fizeram viagens ao Brasil, procedentes da Europa. Durante um curto período, houve uma linha regular de passageiros entre Paris e o Rio de Janeiro. Eram viagens que duravam 3 dias, muito menos que os 15 dias dos transatlânticos, com ambiente de primeira classe, transportando dezenas de abastados passageiros.
No dia 31 de maio de 1930, o grande poeta Manuel Bandeira escreveu uma crônica no jornal carioca Diário Nacional, sobre sua primeira visão do gigantesco dirigível, passando sobre a cidade do Rio de Janeiro. Gostaria muito de transcrever todo o teor desse maravilhoso escrito, mas este espaço não permite. Então mostro apenas um pequeno parágrafo:
“Às seis e meia ouvi no meu sono um ruído de motor: auto-caminhão na ladeira do Cassiano, pensei. Mas de chofre um risco forte na consciência: ‘Zeppelin’! Pulei da cama e abri a janela. O ‘Zepellin’ de fato apontava à barra”.
No território brasileiro, os Zeppelins entravam pelo Recife e desciam margeando a costa até o Rio de Janeiro, como faziam os navios portugueses nas viagens longínquas da época da colonização. Portanto, passavam na beira-mar de todo o território capixaba, inclusive perto das praias de Aracruz.
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Celestino e Hilário viram no jornal lido por papai que o Zepellin passaria no domingo seguinte. Pelo cálculo deles, por volta das 10 horas da manhã. Papai e mamãe, como de costume, iriam à missa logo cedo, sairiam por volta das seis e meia. Então, partiríamos de casa e subiríamos o Morro de Aricanga, passando pelo terreno do Tio Santin. Chegaríamos ao cume por volta das oito e meia. Aguardaríamos a passagem do imenso balão e depois voltaríamos. Ao descobrirem a aventura, nossos pais brigariam, talvez até castigassem, mas já estaria feito.
No domingo fez um dia ensolarado e radiante. Fomos eu, Hélia, Benito, Gertudes, Brígida, Hilário e Celestino. Eu e Hélia éramos pequenas demais para andarmos a pé até o cume do Aricanga, mas eles tinham que nos levar. Não nos podiam deixar em casa sozinhas. Para isso, nos botaram dentro dos balaios em cima do burro Sereno. Eu e minha irmã mais nova em cada um dos lados do animal.
Passamos perto da casa de tio Santim sem nos amostrarmos. Quando chegamos ao cume, passava um pouco das nove horas. Ainda dava tempo, pois ele passaria por volta das dez. À medida que a hora se aproximava, ficávamos ansiosos, com os olhos fixos no horizonte longínquo ao norte. Deu dez, dez e meia, aproximava-se das onze e nada.
Hilário falou a Celestino: será que erramos o cálculo? Vai ver ele atrasou. Ao terminar a frase, Benito gritou: ó lá ele! Ficamos todos paralisados. Era ele mesmo, ainda parecendo pequenino, longe, lá para as bandas do rio Doce, como disse Celestino.
À medida que ele rapidamente descia para o sul, ia aumentando o tamanho. Passou mais próximo de nós do que pensávamos. Imenso! Dava para ver as pessoas dentro, numa espécie de cesta grande, sob o balão muito maior. A visão da planície litorânea, com o oceano ao fundo, e aquele imenso balão prateado passando, foi uma das visões mais belas de minha vida. Nunca me saiu da memória!
Acompanhamos ele até sumir no horizonte ao sul. Aplaudimos espontaneamente aquele momento como a plateia de um circo após um número espetacular. Durante a passagem dele, não falamos absolutamente nada. Depois, falávamos pelos cotovelos, descrevendo tudo que vimos, um atrapalhando a fala do outro.
Celestino falou ríspido, olhando o relógio: vamos voltar rápido! Papai e mamãe já estão em casa de grande. Talvez tomemos uma surra. Descemos o íngreme morro às carreiras.
Papai nos repreendeu, mas não castigou. Ficou admirando enquanto contávamos. Acho que ele e mamãe, embora não demonstrassem, até gostaram da nossa aventura.
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Minha mãe, Dona Julyta Furieri, nasceu em 1928, era uma menina de 8 anos na época. Ela me contou essa história várias vezes. Quando eu a ouvia, ficava extasiado e admirado com aquela aventura espetacular. Imaginava-me participando. Até hoje, quando rememoro, transporto-me para o Aricanga, desfrutando do belo panorama costeiro enfeitado por aquele objeto voador magnífico.