Coluna Geremias Pignaton: Enterro em Ibiraçu
Estas semanas estou um tanto funesto. Na coluna passada falei de um histórico funeral que aconteceu em Ibiraçu no ano de 1903. Hoje falarei dos enterros, ou cortejos fúnebres - para ficar mais elegante -, que seguem uma tradição centenária na nossa cidadedezinha do vale do rio Taquaraçu.
Quem conhece Ibiraçu sabe que o trajeto entre a igreja matriz e o cemitério atravessa o centro da cidade. A matriz situa-se numa colina de um lado e o cemitério fica num morro maior, o Boa Vista, no lado oposto. Há mais de cem anos, os cortejos fúnebres seguem da matriz para o cemitério, passando entre os bares, lojas, açougues, padarias e residências do centro.
Por tradição, em sinal de respeito ao defunto e à dor da família enlutada, no momento que o enterro passa, os comércios fecham as portas e as pessoas saem para a calçada, sérias e contritas até o cortejo acabar. Só então voltam à vida que segue.
Nas décadas de 1940 e 1950, existia um coral de vozes masculinas, do qual meu pai fazia parte, que acompanhava esses cortejos cantando réquiens em latim, dando um clima ainda mais fúnebre ao evento. Eu não assisti a esses enterros com o coral, mas recebi vários relatos de que eram muito bonitos, embora a atmosfera fosse triste.
Meu pai, que faleceu na virada do ano de 2001 para 2002, quando já estava se aproximando do fim da vida, sentava-se sempre na frente do bar do Grippa para tomar algumas pinguinhas. Quando acontecia de passar esses enterros na rua, o Dárcio, dono do bar, corria para fechar as portas. Meu pai então perguntava a ele: quem morreu, Grippa? O Dárcio respondia: fulano de tal. Se fosse alguém de quem ele gostava, ou mesmo que lhe fosse indiferente, ele se levantava e ficava calado em contrição. Se fosse alguém de quem ele não gostava, ele respondia bem forte: o diabo que “tabaque” ele lá no inferno!
Isso me foi contado pelo Dárcio Grippa, alguns anos depois que papai morreu.
Meu pai era assim mesmo: franco, direto, ríspido. Era honestíssimo e corajoso, muito longe da hipocrisia. Eu considerava isso uma qualidade dele, embora muitas vezes nos trouxesse muitos problemas.
Não sei onde estaria meu pai hoje, se no céu ou no inferno sendo “tabacado” pelo diabo. Se honestidade e autenticidade tiverem muito peso como qualidade, ele estará certamente em um bom lugar. Se bem que, para mim, que não acredito em transcendência, nem paradisíaca nem infernal, tanto faz. Contudo, ele está presente nas minhas melhores lembranças de filho, com diversas passagens das nossas vidas, que me são muito agradáveis.