Coluna Geremias Pignaton: Bia, Lia e o Exame de Fezes
Bia e Lia eram jovens amigas inseparáveis. Conterrâneas nascidas na mesma cidadezinha do interior, foram para a capital do estado cursar a faculdade de educação física. Viveram sempre muito próximas, sem nunca haver qualquer motivo que abalasse os fortes laços da amizade.
Após se formarem, souberam que em Brasília precisavam muito de profissionais professores da área, com salário bem superior às demais unidades da federação, e decidiram tentar a vida na novíssima sede da república. No início, foi uma aventura recheada de incertezas. A capital federal tinha pouco mais de dez anos de fundação. Começaram dando aulas em pequenas escolas particulares, enquanto aguardavam abertura de concurso público para a Fundação Educacional do Distrito Federal. Viveram em casa de pensão e enfrentavam as difíceis linhas de ônibus para os deslocamentos na cidade planejada para o uso do automóvel. Dinheiro contadinho para o básico do básico.
O concurso saiu e elas foram aprovadas. Tiveram que enfrentar toda a burocracia para assumirem o cargo de professoras do ensino público, inclusive exames de saúde, que comprovassem a integridade física e psicológica.
Chegou o dia em que necessitavam fazer um exame de fezes. Tinham que levar um potinho cheio de material a um laboratório credenciado pelo governo do Distrito Federal. Bia conseguiu o material com facilidade e abundância, porém, Lia não. Ela tinha uma prisão de ventre crônica que impossibilitou a coleta. O dia era fatal, tinham que levar o potinho naquela manhã.
A fraude do exame foi a solução mais adequada. A própria Bia sugeriu que Lia enchesse seu potinho com a sobra do material dela. Era uma pequena falsidade ideológica, que não seria notada pela junta avaliadora.
Resultado: Lia foi aprovada no exame de fezes. Bia, a fornecedora do material, foi reprovada. No seu resultado apareceu uma verminose rara, provavelmente adquirida na região do Vale do Rio São Francisco durante uma participação no antigo Projeto Rondon.
Bia ficou muito contrariada, quase desesperada. Precisaria fazer um tratamento prolongado de um mês e repetir o exame. Isso atrasaria, como de fato atrasou, seu início no novo trabalho.
Hoje, Bia e Lia, entradas na terceira idade, continuam a bela amizade desde a infância e recordam, às risadas, dessa falsidade ideológica de merda que cometeram na juventude.