Coluna Geremias Pignaton: Todas as Cobras

Coluna Geremias Pignaton: Todas as Cobras

Ele tinha uma vontade antiga de comprar um pedaço de terra e estabelecer uma pequena propriedade rural, criar umas galinhas, uns porcos, uma vaquinha de leite, fazer uns queijinhos, voltar às origens camponesas da infância e juventude. Após a aposentadoria, trabalhando décadas como mecânico especializado, guardou umas economias que davam para a realização do sonho.

Adquiriu um pedaço de terra abandonado, todo metido no mato, ao lado de um bonito rio e no sopé de um morro, do qual descia um córrego cristalino. Construiu uma casinha modesta com uma bica atrás. Tudo conforme vinha sonhando há décadas.

Contudo, um problema o perturbava. O seu pedaço de terra estava infestado por cobras. Apareciam sempre, de várias espécies: jararacas eram as mais comuns, mas havia também corais e cobras não peçonhentas. Até uma rara surucucu foi vista nas matas que margeavam o córrego.

Um cachorro que criou lá foi morto por uma picada de jararaca. Não conseguia encontrar trabalhadores para ajudar nas tarefas da agricultura. Todos tinham medo das cobras. A propriedade ganhou fama na região devido à incidência exagerada dos répteis peçonhentos.

Depois que sua esposa encontrou uma enorme jararaca dormindo enrolada sobre o travesseiro na cama, ninguém da família queria ir passar um fim de semana no sítio.

Consultou biólogos especialistas, veterinários, entendidos de todas as espécies, buscando explicações e soluções para o fenômeno. Nada de útil foi conseguido. Curioso que as propriedades vizinhas não apresentavam esses transtornos anormais.

Depois de anos vendo seus sonhos frustrados, resolveu apelar para o sobrenatural. Soube que, na região, havia um benzedor capaz de afastar as serpentes. Foi fazer uma consulta.

Chegou na casa do benzedor, uma velha tapera quase caindo, e chamou-o pelo nome de Brás. Um senhor de meia idade o atendeu, dizendo ser ele mesmo e que garantia o serviço. Não precisava ir ao sítio, dali podia fazer a reza, apenas necessitava saber onde era e tudo seria resolvido imediatamente.

Quando ele disse ao Brás onde era o seu sítio, recebeu uma negativa. O benzedor disse que não podia, de forma alguma, fazer o serviço. Perguntou o motivo. Obteve uma respostas fantástica e inacreditável.

O benzedor aprendeu a reza com o pai, que morreu há algum tempo. Para tirar as cobras de um local, devia mandá-las para outro lugar. Aquele pedaço de terra do sítio estava abandonado fazia muito tempo. Seu pai, a pedido dos proprietários da vizinhança, mandou aquelas cobras para lá. Não poderia, de forma alguma, desfazer o trabalho do velho.

Ele desistiu do sonho. O lugar continua abandonado. Nunca conseguiu vendê-lo. Ninguém se arrisca a entrar lá. É o sítio de todas as cobras.